A SELEÇÃO DE SEMENTES

Vítor Viana
Nascimento: 23/12/1881
Morte:21/08/1937

Vítor Viana

As histórias oficiais são muito falhas quanto aos primeiros estabelecimentos da América. As lendas de Caramuru e de Ramalho demonstram uma situação muito mais ampla quanto à instalação dos europeus nos vinte primeiros anos depois de Cabral do que a que os livros consagrados descrevem.
Os piratas, os corsários, os aventureiros abundavam, e as notícias das riquezas maravilhosas da nova terra acendiam todas as cobiças. O mundo parecia renovado e nos portos da Europa negociantes e cientistas se congregavam a aventureiros para a descoberta de mundos até então desconhecidos.
A esquadra de Pedro Álvares Cabral veio, segundo o próprio testemunho de Caminha, verificar o que seria possível fazer das novas terras.
No reinado de D. Manuel pouco se fez. Vieram esquadras mais para descobrimentos e posse do que para colonização.
Os franceses, espanhóis, ingleses e holandeses andavam, porém, pelos mares e os primeiros principalmente já procuravam estabelecer comércio com os indígenas e extrair madeiras.
A prova disso é que quando D. João III, que Oliveira Martins chamou com razão de rei colonizador, vendo os resultados da colonização das ilhas, quis aplicar os mesmos métodos ao Brasil, mandou para cá Cristóvão Jacques, a sua expedição andou metendo a pique navios franceses e aprisionando as guarnições. Só em 1530 é que veio Martim Afonso de Sousa.
Martim Afonso correu a costa, e a própria história oficial conta que encontrou degredados e desertores. Os navios, abandonando os condenados e deles fugindo os que se sentiam maltratados nas suas passagens de corso e de comércio para as Índias, já tinham espalhado alguns colonos.
A primeira povoação brasileira oficial foi a de S. Vicente. Martim Afonso, graças à influência de João Ramalho, obteve o apoio dos gauianeses e com estes e os 400 sentenciados que trouxeram, principiou a plantação da cana-de-açúcar e a criação de gado. Cana e gado tinham vindo da Madeira. Já era uma transplantação de colonização portuguesa.
Madeira e as outras ilhas ficaram depois tão portuguesas, acompanharam de tal forma a evolução da metrópole, que foram administrativamente anexadas e passaram a ser províncias com as do continente. Mas sob o ponto de vista da colonização em maior do Brasil serviram de "viveiro", de ponto de referência e de experiência.
O que dava bem na Madeira e nas outras ilhas era depois transportado para o Brasil. Homens, plantas, gado eram mais ou menos selecionados nas ilhas e quando prosperavam eram então transplantados para o Brasil.
Madeira, Cabo Verde, S. Tomé, que tinham florescido com o açúcar e a escravidão, foram como que os postos zootécnicos, os jardins de aclimatação, as estações de experimentação, os campos de seleção de sementes da grande colônia.
Houve assim uma seqüência lógica, sistemática. As luzes de renascimento e a secular experiência e os ensinamentos doutrinários dos árabes tinham esboçado na inteligência e ação de D. João III e seus conselheiros as teorias que hoje presidem os trabalhos dos chamados Ministérios da Agricultura. A América lusitana e as Terras Brasílicas não eram só couto e homizio; foram também objeto de uma colonização sistemática.
É o que se conclui estudando a evolução da colonização portuguesa das ilhas e da Costa da África para o continente americano. A formação do Brasil já foi daí em diante perfeitamente consciente; e a administração portuguesa aproveitou o que aprendera nas ilhas, na Costa da África e na Ásia longínqua.

Fonte: ABL

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