Trecho de Vênus e Adônis

Como o sol, faces púrpuras, desponta
Com o adeus final da aurora se carpindo,
À caça, Adônis, rosto em cor, se apronta.
Se ama caçar, caçoa do amor, se rindo.
Doente de amar, Vênus se lança atrás, 
Corteja-o feito um pretendente audaz.

“Três vezes mais formoso que eu”, diz ela,
“Frescor sem par, do prado a flor preciosa,
Mais dócil que homens, nódoa à ninfa bela,
Mais branco e róseo do que pomba e rosa: 
A Natureza, com ela mesma em guerra,
Proclama que, ao morreres, morre a terra.

Te digna apeares do corcel, portento,
E prende a arção a fronte altiva; aliás,
Pelo favor a mim, em pagamento, 
Mil segredos de mel conhecerás;
Vem, senta, onde não silva a serpe, e assim,
Sentado, em beijos te sufoco, enfim.

“O lábio não sacies no que é sobejo –
Na sua abundância atiça-lhe o apetite,
Faz que varie, rubro e sem cor: dez beijos,
Curtos como um, um longo como vinte.
Um dia de estio parecerá breve hora
Haurida num prazer que ao tempo ignora.”

(Vênus e Adônis, tradução de Alípio Correia de Franca Neto, Leya)
 William Shakespeare