DECÁLOGO DA SOCIOLOGIA BRASILEIRA


Vítor Viana
Nascimento: 23/12/1881
Morte:21/08/1937

A elite brasileira venceu a crise de confiança. Nas novas gerações se nota a reação salutar a que aludimos. Esse mal terrível de cepticismo, que gera a covardia intelectual, que arruína a coragem sadia de pensar para agir e restringe a capacidade mental na compreensão para rir, apontou sempre os vícios fundamentais da climatologia e da raça como as condições esmagadoras da nossa inferioridade.
De modo que quando alguns patriotas, quando ingênuos intérpretes da raça procuravam propagar idéias ou convidavam os outros a uma ação fecunda, os cépticos, incapazes de pensar e de lutar, recuavam, sorriam e repetiam os feios lugares-comuns dos sociólogos europeus de fancaria, que não sabem geografia e ignoram a história.
As doutrinas são explicações do ponto de vista utilitário, são resultados da experiência. Acumulando as culturas alheias, nós só podemos aceitar delas o que não for contrário ao nosso ideal e à nossa razão de dizer. As abusões degeneradas de literatos europeus a respeito das raças e dos climas só podem e só devem encontrar nos brasileiros conscientes a mais enérgica repulsa e a mais cabal contestação. O dever da nossa geração, neste momento em que a espécie humana atravessa uma das maiores crises históricas, é de preparar a mentalidade brasileira para a compreensão do seu destino e para a sua ação. A nação que duvida do valor intrínseco de sua capacidade perde a coragem para pensar e agir.
Para reeducar as elites e sanear os costumes políticos é necessário refundir as noções sociológicas de alguns intelectuais brasileiros, que muita gente do povo já repete.
Os dados da sociologia moderna, da antropologia, da entnografia e da histórica não contestam, ao contrário afirmam a verdade que estabelecemos nos curtos parágrafos anteriores. Só mesmo obra longa será possível acompanhar, com exposições compactas, os exemplos a que aludimos da maneira mais breve possível. As reivindicações da sociologia brasileira constituem uma obra de arte e patriotismo, porque são uma obra de confiança e são o melhor elemento de propaganda do Brasil.
Pelos dados e princípios que recordamos acima pode dizer-se que a sociologia moderna, que a sociologia que os brasileiros devem aceitar e proclamar, reconhece um decálogo de verdades que desmentem todas as abusões européias. Assim convém fixar esse decálogo:
1o. Não há raças inferiores. Todos os povos atuais são constituídos de raças primitivas diversas e a civilização foi fundada pelas raças chamadas inferiores.
2o. Não há climas hostis à civilização, que aliás é um produto originário dos trópicos.
3o. Os povos se engrandecem pela acumulação das culturas antigas e estrangeiras, aproveitada sob o ponto de vista nacional.
4o A prosperidade de uma nação depende do momento histórico, das condições do comércio mundial e do aparelhamento técnico.
5o. Os povos que triunfaram na civilização em todos os tempos pertenciam a raças diversas e antagônicas; todos, entretanto, possuíam cultura mais elevada e disseminada do que seus vizinhos.
6o. O grau de civilização dos povos está na razão direta da assimilação e acumulação das culturas que recebem.
7o. Os fatores de prosperidade econômica variam de acordo com as sugestões da técnica e as facilidades das permutas.
8o. A situação geográfica influi de acordo com as comunicações comerciais e não de acordo com o clima.
9o. A decadência das raças é proveniente do deslocamento de centros comerciais, de desapropriação de cultura e de uma acumulação retardada em relação aos povos vizinhos.
10. A prosperidade dos povos depende do equilíbio de sua ordem jurídica em coincidência com a centralização comercial e a acumulação aproveitada das culturas.
Assim a colaboração das raças chamadas inferiores não nos pode ser prejudicial. Assim a nossa latitude não será obstáculo ao nosso progresso e a nossa posição geográfica será no futuro um penhor de grandeza. As condições sociológicas prometem e garantem ao Brasil o grande destino que os fundadores da nacionalidade desejaram e anunciaram. Cumpre à política aproveitar das soberbas circunstâncias.

(Histórico da formação econômica do Brasil, 1922.)

Fonte: ABL

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