Soneto XLIV

Se minha carne fosse pensamento 
A distância jamais me reteria;
Apesar dos espaços, em um momento, 
E bem longe, a ti eu chegaria.
Que importa onde meu pé pudesse estar, 
Em que terra de ti tão afastada ?
O pensamento salta terra e mar 
Só de pensar na terra desejada.
Morro ao pensar que não sou pensamento, 
E que sonhar distâncias não consiga;
Sou feito de água e terras, os elementos 
Que ao tempo ocioso e à minha dor me obrigam.
De lentos elementos me resigno, 
A ter somente as lágrimas, seus signos.
A um dia de verão como hei de comparar-te ? 
A um dia de verão como hei de comparar-te ?
Vencendo-o em equilíbrio, és sempre mais amável! 
Em maio o vendaval em ternos botões disparte
E o estio se consome em prazo não durável. 
Às vezes, muito quente, o olho de céu fulgura,
Outras vezes se ofusca com a sua tez dourada; 
Decai da formosura, é certo, a formosura,
Pelo tempo ou o acaso é enfim desadornada: 
Mas teu verão é eterno, e não desmaiará,
Nem hás de a possessão perder tua beleza, 
Vagando em sua sombra, o fim não te verá,
Pois neste verso eterno ao tempo, tu te igualas: 
Enquanto o homem respire, e os olhos possam ver, 
Meu canto existirá, e nele hás de viver.
William Shakespeare