Eu luminoso não sou

Eu luminoso não sou. Nem sei que haja 
Um poço mais remoto, e habitado 
De cegas criaturas, de histórias e assombros. 
Se, no fundo poço, que é o mundo 
Secreto e intratável das águas interiores, 
Uma roda de céu ondulando se alarga, 
Digamos que é o mar: como o rápido canto 
Ou apenas o eco, desenha no vazio irrespirável 
O movimento de asas. O musgo é um silêncio, 
E as cobras-d'água dobram rugas no céu, 
Enquanto, devagar, as aves se recolhem.
(José Saramago)