Poemas de Cláudio Manuel da Costa

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)
foi um poeta do Brasil colônia.
Data do Nascimento: 05/06/1729
Data da Morte: 04/07/1789
Morreu aos 60 anos
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ALTÉIA

ROMANCE III

Aquele pastor amante,
Que nas úmidas ribeiras 
Deste cristalino rio
Guiava as brancas ovelhas;

Aquele, que muitas vezes 
Afinando a doce avena, 
Parou as ligeiras águas, 
Moveu as bárbaras penhas;

Sobre uma rocha sentado 
Caladamente se queixa:
Que para formar as vozes, 
Teme, que o ar as perceba.

Os olhos levanta, e busca
Desde o tosco assento aquela
Distancia, aonde, discorro, 
Que tem a origem da pena:

E depois que esmorecidos
Da dor os olhos, na imensa 
Explicação do tormento,
Sufocada a luz, se cegam;

Só às lágrimas recorre,
Deixando-se ouvir apenas 
Daquelas árvores mudas, 
Daquela mimosa relva!

Com torpe aborrecimento 
A companhia despreza 
Dos pastores, e das ninfas; 
Nada quer; tudo o molesta.

Erguido sabre o penhasco 
Já vê, se é grande a eminência:
Por que busque o fim da vida, 
Na violência de uma queda.

Já louco se precipita; 
E já se suspende: a mesma 
Apetência do tormento 
Maior tormento lhe ordena.

Pastores, vêde a Daliso; 
Vede o estado qual seja 
De um pastor, que em outro tempo 
Glória destes montes era:

Vêde, como sem cuidado 
Pastar pelos montes deixa 
As ovelhas oferecidas 
As iras de qualquer fera.

Vêde, como desta rama, 
Que fúnebre está, suspensa 
Deixou a lira, que há pouco, 
Pulsava pela floresta.

Vêde, como já não gosta 
Da barra, dança, e carreira; 
E ao pastoril exercício 
De todo já se rebela.

Segundo o volto, que neste 
Rústico penedo ostenta, 
Cuido, que o fizeram louco 
Desprezos da bela Altéia.
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A N A R D A

ROMANCE IV

Aonde levas, pastora, 
Essas tenras ovelhinhas? 
Que para seu mal lhes basta 
O seres tu, quem as guia.

Acaso vão para o vale, 
Ou para a serra vizinha? 
Vão acaso para o monte, 
Que lá mais distante fica?

Vão porventura, pastora, 
A beber as cristalinas, 
Doces águas, que discorrem 
Por entre estas verdes silvas?

Ah! Quem sabe, triste gado, 
Onde a maior homicida 
Dos corações, e das almas, 
Convosco agora caminha!

Presumir, que cuidadosa 
Vos conduz à serra altiva, 
Imaginar, que à ribeira 
Vos vai levando propícia;

Não o posso, não o posso; 
Quando a conjetura avisa, 
Que mal as ovelhas guarda; 
Quem as almas traz perdidas.

Porém se a vossa ventura
De mais nobre se acredita,
Se podeis vencer de Anarda
. . .

A condição sempre esquiva;

Ela vos conduza: os passos
Segui da minha inimiga; 
Enquanto para cantá-la 
Meu instrumento se afina.

Mais que Títiro suave, 
Aqui sentado à sombria 
Copa desta verde faia, 
Chorarei as penas minhas.

Farei, com que soe o bosque 
A seu nome: esta campina, 
Vereis, como só de Anarda 
A doce glória respira;

Essas árvores, e troncos 
Concorrendo à harmonia 
Do meu canto, Orfeu nos vales, 
Cuidarão, que ressuscita.

Eu repetirei contente 
A cantilena, que tinha 
Com Alcimedon composto, 
Quando no monte vivia.

Direi aquelas cadências, 
Que à casca de uma cortiça 
Encomendou meu cuidado, 
De meu sangue com a tinta.

Pastora (se bem me lembra 
Assim meu verso dizia), 
Mais branca, que a mesma nove, 
Mais bela, do que a bonina;

Eu sou, quem estas ribeiras, 
Sou, quem estes campos pisa, 
Atrás de uma alma, que roubas, 
Tão presa, como rendida.

Não te peco, que ma entregues: 
Porque quem ta sacrifica, 
De meu voluntário culto 
Faz ostentação mais fina:

Quero só, que ma não deixes, 
Que a não desampares; inda 
Quando de Letes saudoso 
Vires a margem sombria.

Mais seguro, e mais constante, 
Que aquela mimosa ninfa, 
Que no côncavo das penhas, 
Por lei do destino, habita.

Eco serei destas rochas, 
Aonde os clamores firam 
Dos corações, que se queixam, 
Das almas, que se lastimam.

Assim, cândidas ovelhas, 
Assim clamarei: sozinhas 
Correi embora contentes 
O vale, o monte, a campina.
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CANÇONETAS

À LIRA DESPREZO

Que busco, infausta lira, 
Que busco no teu canto, 
Se ao mal, que cresce tanto, 
Alívio me não dás?

A alma, que suspira, 
Já foge de escutar-te: 
Que tu também és parte 
De meu saudoso mal.

II

Tu foste (eu não o nego) 
Tu foste em outra idade 
Aquela suavidade, 
Que Amor soube adorar;

De meu perdido emprego 
Tu foste o engano amado: 
Deixou-me o meu cuidado; 
Também te hei de deixar.

III

Ah! De minha ânsia ardente 
Perdeste o caro império: 
Que já noutro hemisfério 
Me vejo respirar.

O peito já não sente 
Aquele ardor antigo: 
Porque outro norte sigo, 
Que fino amor me dá.

IV

Amei-te (eu o confesso) 
E fosse noite, ou dia, 
Jamais tua harmonia 
Me viste abandonar.

Qualquer penoso excesso, 
Que atormentasse esta alma, 
A teu obséquio em calma
Eu pude serenar.

V

Ah! Quantas vezes, quantas 
Do sono despertando, 
Doce instrumento brando, 
Te pude temperar!

Só tu (disse) me encantas; 
Tu só, belo instrumento, 
Tu és o meu alento; 
Tu o meu bem serás.

VI

Vai-te; que já não quero, 
Que devas a meu peito 
Aquele doce efeito, 
Que me deveste já.

Contigo já mais fero 
Só trato de quebrar-te:
Também hás de ter parte 
No estrago de meu mal. 

VII

Não saberás desta alma 
Segredos, que sabias, 
Naqueles doces dias, 
Que Amor soube alentar.

Se aquela ingrata calma 
Foi só tormenta escura, 
Na minha desventura 
Também naufragarás.

VIII

Nise, que a cada instante 
Teu números ouvia, 
Ou fosse noite, ou dia, 
Jamais não te ouvirá.

Cansado o peito amante 
Somente ao desengano 
O culto soberano 
Pretende tributar.

IX

De todo enfim deixada 
No horror deste arvoredo, 
Em ti seu tosco enredo 
Aracne tecerá.

Em paz se fique a amada,
Por quem teu canto inspiras;
E tu, que a paz me tiras, 
Também te fica em paz.




A LIRA PALINÓDIA

Vem, adorada Lira, 
Inspira-me o teu canto: 
Só tu a impulso tanto 
Todo o prazer me dás.

Já a alma não suspira; 
Pois chega a escutar-te: 
De todo, ou já em parte 
Vai-se ausentando o mal.

II

Não cuides, que te nego 
Tributos de outra idade: 
A tua suavidade Eu sei inda adorar;

Desse perdido emprego 
Eu busco o encanto amado; 
Amando o meu cuidado,
Jamais te hei de deixar.

III

Vê, de meu fogo ardente, 
Qual é o ativo império: 
Que em todo este hemisfério 
Se atende respirar.

O coração, que sente 
Aquele incêndio antigo, 
No mesmo mal, que sigo, 
Todo o favor me dá.

IV

Se tanto bem confesso, 
Ou seja noite, ou dia, 
Jamais essa harmonia 
Espero abandonar.

Não há de a tanto excesso, 
Não há de, não, minha alma 
Desta amorosa calma 
Meus olhos serenar.

V

Ah! Quantas ânsias, quantas 
Agora despertando, 
A teu impulso brando 
Eu venho a temperar!

No gosto, em que me encantas, 
Suavíssimo instrumento, 
Em ti só busco o alento; 
Que eterno me serás.

VI

Contigo partir quero 
As mágoas de meu peito; 
Quanto diverso efeito, 
Do que provaste já!

Não cuides, que sou fero; 
Porque já quis quebrar-te:
No meu delírio em parte 
Desculpa tem meu mal.

VII

Se tu só de minha alma 
O caro amor sabias, 
Contigo só meus dias 
Eterno hei de alentar.

Bem que ameace a calma 
Fatal tormenta escura, 
Da minha desventura 
Jamais naufragarás.

VIII

Clamar a cada instante 
O nome, que me ouvia, 
Ou seja noite, ou dia, 
O bosque me ouvirá.

Bem, que a meu culto amante 
Resista o desengano, 
O voto soberano 
Te espero tributar.

IX

Não temas, que deixada 
Te ocupe este arvoredo, 
Onde meu triste enredo 
O fado tecerá;

Conhece, ó Lira amada, 
O afeto, que me inspiras; 
Na mesma paz, que tiras 
Me dás a melhor paz.
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CANTATAS

O PASTOR DIVINO

CANTATA I

Fé. Esperança.

Fé. Onde, Enigma adorado, 
Onde guias perplexo, 
Confuso, e pensativo 
Da minha idéia o vacilante curso?

Esp. Que sombras, que portentos 
Encobres a meus olhos, 
Ó ignorado arcano,
Que lá dessa distancia 
Inspiras de teu raio esforço ativo?

Fé. Eu vejo, que rompendo 
Da noite o manto escuro 
Vem cintilando a chama, 
Que sobre o mundo todo a luz derrama.

Esp. Eu vejo, que do Oriente 
A luminosa estrela, 
Que os passos encaminha, 
Quase a buscar a terra se avizinha.

Coro

Chegai, pastores, 
Vinde contentes; 
Que o novo sol 
Já resplandece. 
Oh que glória, que dita, que gosto 
Nestes campos se vê respirar!

Pé. É esta a flor mimosa,
Que da Vara bendita,
Venturosa, jucunda,
Da raiz de Jessé brota fecunda! 

Esp. É este o pastor belo, 
Que o rebanho espalhado 
Vem acaso buscar! 
É este aquele, 
Que por montes, e vales 
Conduz a tenra ovelha, 
E mais que a própria vida, 
Ama o rebanho seu! 
É este aquele, 
Que as ovelhas conhece e a seu preceito 
Obedecendo belas, 
Também o seu 
Pastor conhecem elas!

Fé. Eu o tinha alcançado, 
De enigmáticas sombras na figura, 
Unigênito Filho Do Eterno Criador. 
O Filho amado De Abrão o testifica;

Esp. Jacó o compreende, Abel o explica.

Ambas. Brandas ninfas, que no centro

Habitais dessa corrente,
Vinde ao novo sol nascente
Vosso obséquio tributar. 

Fé. Já do monte descendo 
Vem o pobre pastor: de brancas flores, 
Ou já grinaldas, ou coroas tece, 
E ao novo Deus contente as oferece.

Esp. Já de lírios, e rosas, 
Pela glória, que alcança, 
Animada a Esperança se coroa; 
E alegres hinos de prazer entoa.

Coro

Chegai, pastores, 
Vinde contentes; 
Que o novo sol 
Já resplandece. 
Oh que glória, que dita, que gosto 
Nestes campos se vê respirar!

Fé. Aquele tenro, 
Cordeiro amado, 
Sacrificado 
Por nosso amor,

Esp. Sobre seus ombros 
Conduz aceso 
O duro peso 
Do pecador.

Fé. Nascido infante 
Ao mundo aflito 
Nosso delito Paga em amor.

Esp. Oh recompensa 
Do bem perdido! 
Oh do gemido 
Prêmio maior!

Ambas. Vem, Pastor belo; 
Vem a meus braços; 
Vem; que teus passos 
Seguindo vou.

Fé. Mas ah! Que de prazer, e de alegria 
Respirar posso apenas. Todo o campo 
Florescente se vê. Estão cobertos 
Os claros horizontes 
De nova luz, de novo sol os montes.


Esp. Melhor luz não espere 
Ver o mundo jamais. 
Concorram todos 
A este luminoso 
Assento; aonde habita 
Aquele sol, que a vida ressuscita.

Fé. Vem, sol peregrino, 
De nós suspirado;

Esp. Vem, Filho adorado 
De Deus imortal.

Coro

Chegai, pastores, 
Vinde contentes; 
Que o novo sol 
Já resplandece. 
Oh que glória, que dita, que gosto 
Nestes campos se vê respirar!
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GALATÉIA

CANTATA III

Galatéia, Acis.

Ácis. Galatéia adorada, 
Mais cândida e mais bela, 
Que a neve congelada, 
Que a clara luz da matutina estrela; 
Mais, do que o Sol, formosa; 
Não digo lírio já, não digo rosa.

Gal. Ácis idolatrado, 
Pastor mais peregrino, 
Que quanto ostenta o prado, 
Quanto banha d'Aurora o humor divino; 
Pois junto às tuas cores 
Não tem o prado cor, não têm as flores.

Ácis. Ácis é, quem saudoso 
Corre desta ribeira 
Todo o campo espaçoso, 
Buscando, ó bela Ninfa, a lisonjeira, 
Doce vista, que tanto 
De Amor ateia o suspirado encanto.

Gal. Desde o azul império, 
Que rege o áureo Tridente, 
Por todo este hemisfério, 
Galatéia te busca impaciente; 
E amante nos seus braços 
Te prepara de amor gostosos laços.

Ácis. Vem ouvir-me um instante; 
Que em mim tudo é ternura. 
Do bárbaro Gigante 
Não temas, não a pálida figura: 
Que o tem seu triste fado, 
Tanto como infeliz, desenganado.

Vem, ó Ninfa ditosa, 
Vem, vem; 
Que em ti Amor guarda 
Todo o meu bem.

Gal. Oh! Firam teus ouvidos 
Meus saudosos clamores; 
Mereçam meus gemidos 
Mover a sem-razão dos teus rigores; 
Já que tão docemente 
Sempre ao meu coração estás presente.

Vem, ó Pastor querido, 
Vem, vem; 
Que em ti Amor guarda 

Todo o meu bem.

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