ROMANCE III Aquele pastor amante, Que nas úmidas ribeiras Deste cristalino rio Guiava as brancas ovelhas; Aquele, que muitas vezes Afinando a doce avena, Parou as ligeiras águas, Moveu as bárbaras penhas; Sobre uma rocha sentado Caladamente se queixa: Que para formar as vozes, Teme, que o ar as perceba. Os olhos levanta, e busca Desde o tosco assento aquela Distancia, aonde, discorro, Que tem a origem da pena: E depois que esmorecidos Da dor os olhos, na imensa Explicação do tormento, Sufocada a luz, se cegam; Só às lágrimas recorre, Deixando-se ouvir apenas Daquelas árvores mudas, Daquela mimosa relva! Com torpe aborrecimento A companhia despreza Dos pastores, e das ninfas; Nada quer; tudo o molesta. Erguido sabre o penhasco Já vê, se é grande a eminência: Por que busque o fim da vida, Na violência de uma queda. Já louco se precipita; E já se suspende: a mesma Apetência do tormento Maior tormento lhe ordena. Pastores, vêde a Daliso; Vede o estado qual seja De um pastor, que em outro tempo Glória destes montes era: Vêde, como sem cuidado Pastar pelos montes deixa As ovelhas oferecidas As iras de qualquer fera. Vêde, como desta rama, Que fúnebre está, suspensa Deixou a lira, que há pouco, Pulsava pela floresta. Vêde, como já não gosta Da barra, dança, e carreira; E ao pastoril exercício De todo já se rebela. Segundo o volto, que neste Rústico penedo ostenta, Cuido, que o fizeram louco Desprezos da bela Altéia. --------------------------------------- A N A R D A ROMANCE IV Aonde levas, pastora, Essas tenras ovelhinhas? Que para seu mal lhes basta O seres tu, quem as guia. Acaso vão para o vale, Ou para a serra vizinha? Vão acaso para o monte, Que lá mais distante fica? Vão porventura, pastora, A beber as cristalinas, Doces águas, que discorrem Por entre estas verdes silvas? Ah! Quem sabe, triste gado, Onde a maior homicida Dos corações, e das almas, Convosco agora caminha! Presumir, que cuidadosa Vos conduz à serra altiva, Imaginar, que à ribeira Vos vai levando propícia; Não o posso, não o posso; Quando a conjetura avisa, Que mal as ovelhas guarda; Quem as almas traz perdidas. Porém se a vossa ventura De mais nobre se acredita, Se podeis vencer de Anarda . . . A condição sempre esquiva; Ela vos conduza: os passos Segui da minha inimiga; Enquanto para cantá-la Meu instrumento se afina. Mais que Títiro suave, Aqui sentado à sombria Copa desta verde faia, Chorarei as penas minhas. Farei, com que soe o bosque A seu nome: esta campina, Vereis, como só de Anarda A doce glória respira; Essas árvores, e troncos Concorrendo à harmonia Do meu canto, Orfeu nos vales, Cuidarão, que ressuscita. Eu repetirei contente A cantilena, que tinha Com Alcimedon composto, Quando no monte vivia. Direi aquelas cadências, Que à casca de uma cortiça Encomendou meu cuidado, De meu sangue com a tinta. Pastora (se bem me lembra Assim meu verso dizia), Mais branca, que a mesma nove, Mais bela, do que a bonina; Eu sou, quem estas ribeiras, Sou, quem estes campos pisa, Atrás de uma alma, que roubas, Tão presa, como rendida. Não te peco, que ma entregues: Porque quem ta sacrifica, De meu voluntário culto Faz ostentação mais fina: Quero só, que ma não deixes, Que a não desampares; inda Quando de Letes saudoso Vires a margem sombria. Mais seguro, e mais constante, Que aquela mimosa ninfa, Que no côncavo das penhas, Por lei do destino, habita. Eco serei destas rochas, Aonde os clamores firam Dos corações, que se queixam, Das almas, que se lastimam. Assim, cândidas ovelhas, Assim clamarei: sozinhas Correi embora contentes O vale, o monte, a campina.
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CANÇONETAS À LIRA DESPREZO Que busco, infausta lira, Que busco no teu canto, Se ao mal, que cresce tanto, Alívio me não dás? A alma, que suspira, Já foge de escutar-te: Que tu também és parte De meu saudoso mal. II Tu foste (eu não o nego) Tu foste em outra idade Aquela suavidade, Que Amor soube adorar; De meu perdido emprego Tu foste o engano amado: Deixou-me o meu cuidado; Também te hei de deixar. III Ah! De minha ânsia ardente Perdeste o caro império: Que já noutro hemisfério Me vejo respirar. O peito já não sente Aquele ardor antigo: Porque outro norte sigo, Que fino amor me dá. IV Amei-te (eu o confesso) E fosse noite, ou dia, Jamais tua harmonia Me viste abandonar. Qualquer penoso excesso, Que atormentasse esta alma, A teu obséquio em calma Eu pude serenar. V Ah! Quantas vezes, quantas Do sono despertando, Doce instrumento brando, Te pude temperar! Só tu (disse) me encantas; Tu só, belo instrumento, Tu és o meu alento; Tu o meu bem serás. VI Vai-te; que já não quero, Que devas a meu peito Aquele doce efeito, Que me deveste já. Contigo já mais fero Só trato de quebrar-te: Também hás de ter parte No estrago de meu mal. VII Não saberás desta alma Segredos, que sabias, Naqueles doces dias, Que Amor soube alentar. Se aquela ingrata calma Foi só tormenta escura, Na minha desventura Também naufragarás. VIII Nise, que a cada instante Teu números ouvia, Ou fosse noite, ou dia, Jamais não te ouvirá. Cansado o peito amante Somente ao desengano O culto soberano Pretende tributar. IX De todo enfim deixada No horror deste arvoredo, Em ti seu tosco enredo Aracne tecerá. Em paz se fique a amada, Por quem teu canto inspiras; E tu, que a paz me tiras, Também te fica em paz. |
A LIRA PALINÓDIA
Vem, adorada Lira, Inspira-me o teu canto: Só tu a impulso tanto Todo o prazer me dás. Já a alma não suspira; Pois chega a escutar-te: De todo, ou já em parte Vai-se ausentando o mal. II Não cuides, que te nego Tributos de outra idade: A tua suavidade Eu sei inda adorar; Desse perdido emprego Eu busco o encanto amado; Amando o meu cuidado, Jamais te hei de deixar. III Vê, de meu fogo ardente, Qual é o ativo império: Que em todo este hemisfério Se atende respirar. O coração, que sente Aquele incêndio antigo, No mesmo mal, que sigo, Todo o favor me dá. IV Se tanto bem confesso, Ou seja noite, ou dia, Jamais essa harmonia Espero abandonar. Não há de a tanto excesso, Não há de, não, minha alma Desta amorosa calma Meus olhos serenar. V Ah! Quantas ânsias, quantas Agora despertando, A teu impulso brando Eu venho a temperar! No gosto, em que me encantas, Suavíssimo instrumento, Em ti só busco o alento; Que eterno me serás. VI Contigo partir quero As mágoas de meu peito; Quanto diverso efeito, Do que provaste já! Não cuides, que sou fero; Porque já quis quebrar-te: No meu delírio em parte Desculpa tem meu mal. VII Se tu só de minha alma O caro amor sabias, Contigo só meus dias Eterno hei de alentar. Bem que ameace a calma Fatal tormenta escura, Da minha desventura Jamais naufragarás. VIII Clamar a cada instante O nome, que me ouvia, Ou seja noite, ou dia, O bosque me ouvirá. Bem, que a meu culto amante Resista o desengano, O voto soberano Te espero tributar. IX Não temas, que deixada Te ocupe este arvoredo, Onde meu triste enredo O fado tecerá; Conhece, ó Lira amada, O afeto, que me inspiras; Na mesma paz, que tiras Me dás a melhor paz. --------------------------------------- CANTATAS O PASTOR DIVINO CANTATA I Fé. Esperança. Fé. Onde, Enigma adorado, Onde guias perplexo, Confuso, e pensativo Da minha idéia o vacilante curso? Esp. Que sombras, que portentos Encobres a meus olhos, Ó ignorado arcano, Que lá dessa distancia Inspiras de teu raio esforço ativo? Fé. Eu vejo, que rompendo Da noite o manto escuro Vem cintilando a chama, Que sobre o mundo todo a luz derrama. Esp. Eu vejo, que do Oriente A luminosa estrela, Que os passos encaminha, Quase a buscar a terra se avizinha. Coro Chegai, pastores, Vinde contentes; Que o novo sol Já resplandece. Oh que glória, que dita, que gosto Nestes campos se vê respirar! Pé. É esta a flor mimosa, Que da Vara bendita, Venturosa, jucunda, Da raiz de Jessé brota fecunda! Esp. É este o pastor belo, Que o rebanho espalhado Vem acaso buscar! É este aquele, Que por montes, e vales Conduz a tenra ovelha, E mais que a própria vida, Ama o rebanho seu! É este aquele, Que as ovelhas conhece e a seu preceito Obedecendo belas, Também o seu Pastor conhecem elas! Fé. Eu o tinha alcançado, De enigmáticas sombras na figura, Unigênito Filho Do Eterno Criador. O Filho amado De Abrão o testifica; Esp. Jacó o compreende, Abel o explica. Ambas. Brandas ninfas, que no centro Habitais dessa corrente, Vinde ao novo sol nascente Vosso obséquio tributar. Fé. Já do monte descendo Vem o pobre pastor: de brancas flores, Ou já grinaldas, ou coroas tece, E ao novo Deus contente as oferece. Esp. Já de lírios, e rosas, Pela glória, que alcança, Animada a Esperança se coroa; E alegres hinos de prazer entoa. Coro Chegai, pastores, Vinde contentes; Que o novo sol Já resplandece. Oh que glória, que dita, que gosto Nestes campos se vê respirar! Fé. Aquele tenro, Cordeiro amado, Sacrificado Por nosso amor, Esp. Sobre seus ombros Conduz aceso O duro peso Do pecador. Fé. Nascido infante Ao mundo aflito Nosso delito Paga em amor. Esp. Oh recompensa Do bem perdido! Oh do gemido Prêmio maior! Ambas. Vem, Pastor belo; Vem a meus braços; Vem; que teus passos Seguindo vou. Fé. Mas ah! Que de prazer, e de alegria Respirar posso apenas. Todo o campo Florescente se vê. Estão cobertos Os claros horizontes De nova luz, de novo sol os montes. Esp. Melhor luz não espere Ver o mundo jamais. Concorram todos A este luminoso Assento; aonde habita Aquele sol, que a vida ressuscita. Fé. Vem, sol peregrino, De nós suspirado; Esp. Vem, Filho adorado De Deus imortal. Coro Chegai, pastores, Vinde contentes; Que o novo sol Já resplandece. Oh que glória, que dita, que gosto Nestes campos se vê respirar! --------------------------------------- GALATÉIA CANTATA III Galatéia, Acis. Ácis. Galatéia adorada, Mais cândida e mais bela, Que a neve congelada, Que a clara luz da matutina estrela; Mais, do que o Sol, formosa; Não digo lírio já, não digo rosa. Gal. Ácis idolatrado, Pastor mais peregrino, Que quanto ostenta o prado, Quanto banha d'Aurora o humor divino; Pois junto às tuas cores Não tem o prado cor, não têm as flores. Ácis. Ácis é, quem saudoso Corre desta ribeira Todo o campo espaçoso, Buscando, ó bela Ninfa, a lisonjeira, Doce vista, que tanto De Amor ateia o suspirado encanto. Gal. Desde o azul império, Que rege o áureo Tridente, Por todo este hemisfério, Galatéia te busca impaciente; E amante nos seus braços Te prepara de amor gostosos laços. Ácis. Vem ouvir-me um instante; Que em mim tudo é ternura. Do bárbaro Gigante Não temas, não a pálida figura: Que o tem seu triste fado, Tanto como infeliz, desenganado. Vem, ó Ninfa ditosa, Vem, vem; Que em ti Amor guarda Todo o meu bem. Gal. Oh! Firam teus ouvidos Meus saudosos clamores; Mereçam meus gemidos Mover a sem-razão dos teus rigores; Já que tão docemente Sempre ao meu coração estás presente. Vem, ó Pastor querido, Vem, vem; Que em ti Amor guarda Todo o meu bem. |
Poemas de Cláudio Manuel da Costa
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