Poemas de Cláudio Manoel da Costa

Cláudio Manuel da Costa (1729-1789)
foi um poeta do Brasil colônia.
Data do Nascimento: 05/06/1729
Data da Morte: 04/07/1789
Morreu aos 60 anos
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SONETOS

LII

Que molesta lembrança, que cansada 
Fadiga é esta! vejo-me oprimido, 
Medindo pela magoa do perdido 
A grandeza da glória já passada.

Foi grande a dita sim; porem lembrada, 
Inda a pena é maior de a haver perdido; 
Quem não fora feliz, se o haver sido 
Faz, que seja a paixão mais avultada!

Propício imaginei (é bem verdade) 
O malévolo fado: oh quem pudera 
Conhecer logo a hipócrita piedade!

Mas que em vão esta dor me desespera, 
Se já entorpecida a enfermidade
Inda agora o remédio se pondera!
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LIII

Ou já sobre o cajado te reclines,
Venturoso pastor, ou já tomando
Para a serra, onde as cabras vais chamando,
A fugir os meus ais te determines.

Lá te quero seguir, onde examines 
Mais vivamente um coração tão brando; 
Que gosta só de ouvir-te, ainda quando 
Mais sem razão me acuses, mais crimines.

Que te fiz eu, pastor ? em que condenas 
Minha sincera fé, meu amor puro? 
As provas, que te dei, serão pequenas?

Queres ver, que esse monte áspero, e duro
Sabe, que és causa tu das minhas penas?
Pergunta-lhe; ouvirás, o que te juro.
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LIV 

Ninfas gentis, eu sou, o que abrasado 
Nos incêndios de Amor, pude alguma hora, 
Ao som da minha cítara sonora, 
Deixar o vosso império acreditado.

Se vós, glórias de amor, de amor cuidado, 
Ninfas gentis, a quem o mundo adora, 
Não ouvis os suspiros, de quem chora, 
Ficai-vos; eu me vou; sigo o meu fado.

Ficai-vos; e sabei, que o pensamento 
Vai tão livre de vós, que da saudade 
Não receia abrasar-se no tormento.

Sim; que solta dos laços a vontade, 
Pelo rio hei de ter do esquecimento este, aonde jamais achei piedade.
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LV

Em profundo silêncio já descansa 
Todo o mortal; e a minha triste idéia 
Se estende, se dilata, se recreia 
Pelo espaçoso campo da lembrança.

Fatiga-se, prossegue, em vão se cansa; 
E neste vário giro, em que se enleia, 
Ao duvidoso passo já receia, 
Que lhe possa faltar a segurança.

Que diferente tudo está notando!
Que perplexo as imagens do perdido
Num e noutro despojo vem achando! 

Este não é o templo (eu o duvido) 
Assim o afirma, assim o está mostrando: 
Ou morreu Nise, ou este não é Fido.
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LVI

Tu, ninfa, quando eu menos penetrado 
Das violências de Amor vivia isento, 
Propondo-te então bela a meu tormento, 
Foste doce ocasião de meu cuidado.

Roubaste o meu sossego, um doce agrado, 
Um gesto lindo, um brando acolhimento 
Foram somente o único instrumento, 
Com que deixaste o triunfo assegurado.

Já não espero ter felicidade, 
Salvo se for aquela, que confio, 
Por amar-te, apesar dessa impiedade.

Em prêmio dos suspiros, que te envio, 
Ou modera o rigor da crueldade, 
Ou torna-me outra vez meu alvedrio.
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LVII 

Bela imagem, emprego idolatrado, 
Que sempre na memória repetido, 
Estás, doce ocasião de meu gemido, 
Assegurando a fé de meu cuidado.

Tem-te a minha saudade retratado; 
Não para dar alívio a meu sentido; 
Antes cuido; que a mágoa do perdido 
Quer aumentar coa pena de lembrado.

Não julgues, que me alento com trazer-te 
Sempre viva na idéia; que a vingança 
De minha sorte todo o bem perverte.

Que alívio em te lembrar minha alma alcança, 
Se do mesmo tormento de não ver-te, 
Se forma o desafogo da lembrança ?
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LVIII

Altas serras, que ao Céu estais servindo 
De muralhas, que o tempo não profana, 
Se Gigantes não sois, que a forma humana 
Em duras penhas foram confundindo?

lá sobre o vosso cume se está rindo 
O Monarca da luz, que esta alma engana; 
Pois na face, que ostenta, soberana, 
O rosto de meu bem me vai fingindo.

Que alegre, que mimoso, que brilhante 
Ele se me afigura! Ah qual efeito 
Em minha alma se sente neste instante!

Mas ai! a que delírios me sujeito! 
Se quando no Sol vejo o seu semblante, 
Em vós descubro ó penhas o seu peito?
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LIX 

Lembrado estou, ó penhas, que algum dia, 
Na muda solidão deste arvoredo, 
Comuniquei convosco o meu segredo, 
E apenas brando o zéfiro me ouvia.

Com lágrimas meu peito enternecia 
A dureza fatal deste rochedo, 
E sobre ele uma tarde triste, e quêdo 
A causa de meu mal eu escrevia.

Agora torno a ver, se a pedra dura 
Conserva ainda intacta essa memória, 
Que debuxou então minha escultura.

Que vejo! esta é a cifra: triste glória! 
Para ser mais cruel a desventura, 
Se fará imortal a minha história.
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LX 

Valha-te Deus, cansada fantasia! 
Que mais queres de mim? que mais pretendes? 
Se quando na esperança mais te acendes, 
Se desengana mais tua porfia!

Vagando regiões de dia em dia, 
Novas conquistas, e troféus empreendes: 
Ah que conheces mal, que mal entendes, 
Onde chega do fado a tirania!

Trata de acomodar-te ao movimento 
Dessa roda volúvel, e descansa 
Sobre tão fatigado pensamento.

E se inda crês no rosto da esperança, 
Examina por dentro o fingimento; 
E verás tempestade o que é bonança.
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LXI 

Deixemo-nos, Algano, de porfia; 
Que eu sei o que tu és, contra a verdade 
Sempre hás de sustentar, que a divindade 
Destes campos é Brites, não Maria!

Ora eu te mostrarei inda algum dia, 
Em que está teu engano: a novidade, 
Que agora te direi, é, que a cidade
Por melhor, do que todas a avalia.

Há pouco, que encontrei lá junto ao monte 
Dous pastores, que estavam conversando, 
Quando passaram ambas para a fonte;

Nem falaram em Brites: mas tomando 
Para um cedro, que fica bem defronte, 
O nome de Maria vão gravando.
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LXII 

Torno a ver-vos, ó montes; o destino 
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros; 
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros 
Pelo traje da Côrte rico, e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino, 
Os meus fiéis, meus doces companheiros, 
Vendo correr os míseros vaqueiros 
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto, 
Que chega a ter mais preço, e mais valia, 
Que da cidade o lisonjeiro encanto;

Aqui descanse a louca fantasia; 
E o que té agora se tornava em pranto, 
Se converta em afetos de alegria.
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LXIII 

Já me enfado de ouvir este alarido, 
Com que se engana o mundo em seu cuidado; 
Quero ver entre as peles, e o cajado, 
Se melhora a fortuna de partido.

Canse embora a lisonja ao que ferido 
Da enganosa esperança anda magoado; 
Que eu tenho de acolher-me sempre ao lado 
Do velho desengano apercebido.

Aquele adore as roupas de alto preço, 
Um siga a ostentação, outro a vaidade; 
Todos se enganam com igual excesso.

Eu não chamo a isto já felicidade: 
Ao campo me recolho, e reconheço, 
Que não há maior bem, que a soledade.
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LXIV 

Que tarde nasce o Sol, que vagaroso! 
Parece, que se cansa, de que a um triste 
Haja de aparecer: quanto resiste 
A seu raio este sítio tenebroso!

Não pode ser, que o giro luminoso 
Tanto tempo detenha: se persiste 
Acaso o meu delírio! se me assiste 
Ainda aquele humor tão venenoso!

Aquela porta ali se está cerrando; 
Dela sai um pastor: outro assobia, 
E o gado para o monte vai chamando.

Ora não há mais louca fantasia!
Mas quem anda, como eu, assim penando, 
Não sabe, quando é noite, ou quando é dia.
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LXV

Ingrata foste, Elisa; eu te condeno 
A injusta sem-razão; foste tirana, 
Em renderes, belíssima serrana, 
A tua liberdade ao néscio Almeno.

Que achaste no seu rosto de sereno, 
De belo, ou de gentil, para inumana 
Trocares pela dele esta choupana, 
Em que tinhas o abrigo mais ameno?

Que canto em teu louvor entoaria? 
Que te podia dar o pastor pobre? 
Que extremos, mais do que eu, por ti faria?

O meu rebanho estas montanhas cobre:
Eu os excedo a todos na harmonia;
Mas ah que ele é feliz! Isto lhe sobre
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LXVI

Não te assuste o prodígio: eu, caminhante,
Sou uma voz, que nesta selva habito;
Chamei-me o pastor Fido; de um delito
Me veio o meu estrago; eu fui amante. 

Uma ninfa perjura, uma inconstante 
Neste estado me pôs: do peito aflito, 
Por eterno castigo, arranco um grito, 
Que desengane o peregrino errante.

Se em ti se dá piedade, ó passageiro, 
(Que assim o pede a minha sorte escura) 
Atende ao meu aviso derradeiro:

Lágrimas não te peço, nem ternura: 
Por voto um desengano, te requeiro
Que consagres à minha sepultura.
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LXVII

Não te cases com Gil, bela serrana; 
Que é um vil, um infame, um desastrado; 
Bem que ele tenha mais devesa, e gado, 
A minha condição é mais humana.

Que mais te pode dar sua cabana, 
Que eu aqui te não tenha aparelhado? 
O leite, a fruta, o queijo, o mel dourado; 
Tudo aqui acharás nesta choupana:

Bem que ele tange o seu rabil grosseiro, 
Bem que te louve assim, bem que te adore, 
Eu sou mais extremoso, e verdadeiro.

Eu tenho mais razão, que te enamore:
E se não, diga o mesmo Gil vaqueiro:
Se é mais, que ele te cante, ou que eu te chore.
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LXVIII

Apenas rebentava no oriente 
A clara luz da aurora, quando Fido, 
O repouso deixando aborrecido, 
Se punha a contemplar no mal, que sente.

Vê a nuvem, que foge ao transparente 
Anúncio do crepúsculo luzido; 
E vê de todo em riso convertido 
O horror, que dissipara o raio ardente.

Por que (diz) esta sorte, que se alcança 
Entre a sombra, e a luz, não sinto agora 
No mal, que me atormenta, e que me cansa?

Aqui toda a tristeza se melhora: 
Mas eu sem o prazer de uma esperança 
Passo o ano, e o mês, o dia, a hora.

SONETOS

LXIX

Se à memória trouxeres algum dia,
Belíssima tirana, ídolo amado,
Os ternos ais, o pranto magoado,
Com que por ti de amor Alfeu gemia;

Confunda-te a soberba tirania, 
O ódio injusto, o violento desagrado, 
Com que atrás de teu olhos arrastado 
Teu ingrato rigor o conduzia.

E já que enfim tão mísero o fizeste, 
Vê-lo-ás, cruel, em prêmio de adorar-te, 
Vê-lo-ás, cruel, morrer; que assim quiseste.

Dirás, lisonjeando a dor em parte: 
Fui-te ingrata, pastor; por mim morreste; 
Triste remédio a quem não pode amar-te!
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LXX

Breves horas, que em rápida porfia 
Ides seguindo infausto movimento, 
Oh como o vosso curso foi violento, 
Quando soubestes, que eu vos possuía!

Já crédito vos dava; porque via 
Avultar meu feliz contentamento: 
Que é mui fácil num triste estar atento 
Aos enganos, que pinta a fantasia.

Logrou-se o vosso fim; que foi levar-me 
Da falsa glória, do fingido gosto 
Ao cume, donde venho a despenhar-me:

Assim a lei do fado tem disposto,
Que haja o instantâneo bem de lisonjear-me;
Por que o estrago, me diga, que é suposto. 
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LXXI 

Eu cantei, não o nego, eu algum dia 
Cantei do injusto amor o vencimento; 
Sem saber, que o veneno mais violento 
Nas doces expressões falso encobria.

Que amor era benigno, eu persuadia 
A qualquer coração de amor isento; 
Inda agora de amor cantara atento, 
Se lhe não conhecera a aleivosia.

Ninguém de amor se fie: agora canto 
Somente os seus enganos; porque sinto, 
Que me tem destinado estrago tanto.

De seu favor hoje as quimeras pinto: 
Amor de uma alma é pesaroso encanto; 
Amor de um coração é labirinto.
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LXXII

Já rompe, Nise, a matutina aurora
O negro manto, com que a noite escura,
Sufocando do Sol a face pura,
Tinha escondido a chama brilhadora.

Que alegre, que suave, que sonora, 
Aquela fontezinha aqui murmura! 
E nestes campos cheios de verdura 
Que avultado o prazer tanto melhora!

Só minha alma em fatal melancolia, 
Por te não poder ver, Nise adorada, 
Não sabe inda, que coisa é alegria;

E a suavidade do prazer trocada, 
Tanto mais aborrece a luz do dia, 
Quanto a sombra da noite lhe agrada.
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LXXIII 

Quem se fia de Amor, quem se assegura 
Na fantástica fé de uma beleza, 
Mostra bem, que não sabe, o que é firmeza, 
Que protesta de amante a formosura.

Anexa a qualidade de perjura 
Ao brilhante esplendor da gentileza, 
Mudável é por lei da natureza, 
A que por lei de Amor é menos dura.

Deste, ó Fábio, que vês, desordenado, 
Ingrato proceder se é que examinas 
A razão, eu a tenho decifrado:

São as setas de Amor tão peregrinas, 
Que esconde no gentil o golpe irado; 
Para lograr pacífico as ruínas.
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LXXIV 

Sombrio bosque, sítio destinado 
À habitação de um infeliz amante, 
Onde chorando a mágoa penetrante 
Possa desafogar o seu cuidado;

Tudo quieto está, tudo calado; 
Não há fera, que grite; ave, que cante; 
Se acaso saberás, que tens diante 
Fido, aquele pastor desesperado!

Escuta o caso seu: mas não se atreve 
A erguer a voz; aqui te deixa escrito 
No tronco desta faia em cifra breve:

Mudou-se aquele bem; hoje é delito 
Lembrar-me de Marfisa; era mui leve: 
Não há mais, que atender; tudo está dito.
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LXXV 

Clara fonte, teu passo lisonjeiro 
Pára, e ouve-me agora um breve instante; 
Que em paga da piedade o peito amante 
Te será no teu curso companheiro.

Eu o primeiro fui, fui o primeiro, 
Que nos braços da ninfa mais constante 
Pude ver da fortuna a face errante 
Jazer por glória de um triunfo inteiro.

Dura mão, inflexível crueldade 
Divide o laço, com que a glória, a dita 
Atara o gosto ao carro da vaidade:

E para sempre a dor ter n'alma escrita,
De um breve bem nasce imortal saudade, 
De um caduco prazer mágoa infinita.
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LXXVI 

Enfim te hei de deixar, doce corrente 
Do claro, do suavíssimo Mondego; 
Hei de deixar-te enfim; e um novo pego 
Formará de meu pranto a cópia ardente.

De ti me apartarei; mas bem que ausente, 
Desta lira serás eterno emprego; 
E quanto influxo hoje a dever-te chego, 
Pagará de meu peito a voz cadente.

Das ninfas, que na fresca, amena estância 
Das tuas margens úmidas ouvia, 
Eu terei sempre n'alma a consonância;

Desde o prazo funesto deste dia 
Serão fiscais eternos da minha ânsia 
As memórias da tua companhia.
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LXXVII 

Não há no mundo fé, não há lealdade; 
Tudo é, ó Fábio, torpe hipocrisia; 
Fingido trato, infame aleivosia 
Rodeiam sempre a cândida amizade.

Veste o engano o aspecto da verdade; 
Porque melhor o vício se avalia: 
Porém do tempo a mísera porfia, 
Duro fiscal, lhe mostra a falsidade.

Se talvez descobrir-se se procura 
Esta de amor fantástica aparência, 
É como à luz do Sol a sombra escura:

Mas que muito, se mostra a experiência,
Que da amizade a torre mais segura
Tem a base maior na dependência!
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LXXVIII 

Campos, que ao respirar meu triste peito 
Murcha, e seca tornais vossa verdura, 
Não vos assuste a pálida figura, 
Com que o meu rosto vedes tão desfeito.

Vós me vistes um dia o doce efeito 
Cantar do Deus de Amor, e da ventura; 
Isso já se acabou; nada já dura; 
Que tudo à vil desgraça está sujeito.

Tudo se muda enfim: nada há, que seja 
De tão nobre, tão firme segurança, 
Que não encontre o fado, o tempo, a inveja.

Esta ordem natural a tudo alcança; 
E se alguém um prodígio ver deseja, 
Veja meu mal, que só não tem mudança.
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LXXIX 

Entre este álamo, o Lise, e essa corrente, 
Que agora estão meus olhos contemplando, 
Parece, que hoje o céu me vem pintando 
A mágoa triste, que meu peito sente.

Firmeza a nenhum deles se consente 
Ao doce respirar do vento brando; 
O tronco a cada instante meneando, 
A fonte nunca firme, ou permanente.

Na líquida porção, na vegetante
Cópia daquelas ramas se figura 
Outro rosto, outra imagem semelhante:

Quem não sabe, que a tua formosura 
Sempre móvel está, sempre inconstante, 
Nunca fixa se viu, nunca segura?
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LXXX

Quando cheios de gosto, e de alegria
Estes campos diviso florescentes,
Então me vêm as lágrimas ardentes
Com mais ânsia, mais dor, mais agonia.

Aquele mesmo objeto, que desvia 
Do humano peito as mágoas inclementes, 
Esse mesmo em imagens diferentes 
Toda a minha tristeza desafia.

Se das flores a bela contextura 
Esmalta o campo na melhor fragrância, 
Para dar uma idéia da ventura;

Como, ó Céus, para os ver terei constância, 
Se cada flor me lembra a formosura 
Da bela causadora de minha ânsia?

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LXXXI

Junto desta corrente contemplando 
Na triste falta estou de um bem que adoro; 
Aqui entre estas lágrimas, que choro, 
Vou a minha saudade alimentando.

Do fundo para ouvir-me vem chegando 
Das claras hamadríades o coro; 
E desta fonte ao murmurar sonoro, 
Parece, que o meu mal estão chorando.

Mas que peito há de haver tão desabrido, 
Que fuja à minha dor! que serra, ou monte 
Deixará de abalar-se a meu gemido!

Igual caso não temo, que se conte; 
Se até deste penhasco endurecido 
O meu pranto brotar fez uma fonte.
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LXXXII

Piedosos troncos, que a meu terno pranto 
Comovidos estais, uma inimiga 
E quem fere o meu peito, é quem me obriga 
A tanto suspirar, a gemer tanto.

Amei a Lise; é Lise o doce encanto, 
A bela ocasião desta fadiga; 
Deixou-me; que quereis, troncos, que eu diga 
Em um tormento, em um fatal quebranto?

Deixou-me a ingrata Lise: se alguma hora 
Vós a vêdes talvez, dizei, que eu cego 
Vos contei... mas calai, calai embora.

Se tanto a minha dor a elevar chego, 
Em fé de um peito, que tão fino adora, 
Ao meu silêncio o meu martírio entrego.
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LXXXIII 

Polir na guerra o bárbaro gentio, 
Que as leis quase ignorou da natureza, 
Romper de altos penhascos a rudeza, 
Desentranhar o monte, abrir o rio;

Esta a virtude, a glória, o esforço, o brio 
Do Russiano Herói, esta a grandeza, 
Que igualou de Alexandre a fortaleza, 
Que venceu as desgraças de Dario:

Mas se a lei do heroísmo se procura, 
Se da virtude o espírito se atende, 
Outra idéia, outra máxima o segura:

Lá vive, onde no ferro não se acende; 
Vive na paz dos povos, na brandura: 
Vós a ensinais, ó Rei; em vós se aprende.
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XCVIII 

Destes penhascos fez a natureza 
O berço, em que nasci! oh quem cuidara,
Que entre penhas tão duras se criara
Uma alma terna, um peito sem dureza!

Amor, que vence os tigre por empresa 
Tomou logo render-me; ele declara 
Contra o meu coração guerra tão rara, 
Que não me foi bastante a fortaleza.

Por mais que eu mesmo conhecesse o dano, 
A que dava ocasião minha brandura, 
Nunca pude fugir ao cego engano:

Vós, que ostentais a condição mais dura, 
Temei, penhas, temei; que Amor tirano, 
Onde há mais resistência, mais se apura.
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XCIX 

Parece, ou eu me engano, que esta fonte 
De repente o licor deixou turvado; 
O céu, que estava limpo, e azulado, 
Se vai escurecendo no horizonte:

Por que não haja horror, que não aponte 
O agouro funestíssimo, e pesado, 
Até de susto já não pasta o gado; 
Nem uma voz se escuta em todo o monte.

Um raio de improviso na celeste 
Região rebentou; um branco lírio 
Da cor das violetas se reveste;

Será delírio! não, não é delírio. 
Que é isto, pastor meu? que anúncio é este? 
Morreu Nise (ai de mim!) tudo é martírio.

C Musas, canoras musas, este canto 
Vós me inspirastes, vós meu tenro alento 
Erguestes brandamente àquele assento 
Que tanto, ó musas, prezo, adoro tanto.

Lágrimas tristes são, mágoas, e pranto, 
Tudo o que entoa o músico instrumento; 
Mas se o favor me dais, ao mundo atento 
Em assunto maior farei espanto.

Se em campos não pisados algum dia 
Entra a ninfa, o pastor, a ovelha, o touro, 
Efeitos são da vossa melodia;

Que muito, ó musas, pois, que em fausto agouro 
Cresçam do pátrio rio à margem fria 
A imarcescível hera, o verde louro!

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